Revendo alguns conceitos para uma palestra online reli este, bem interessante, sobre design que diz: “Design é o processo pelo qual um designer cria um contexto a ser encontrado por um participante, a partir do qual o significado emerge” (Livro “Regras do Jogo”). Então , isto me intrigou e fiquei pensando novamente sobre esse significado e como ele emerge. Segundo os autores, trata-se de uma experiência lúdica significativa. Mas o que é essa tal de experiência do jogo? Por que ela é tão importante no processo de um game design? Nesse tema você vai saber um pouco das minhas reflexões e leituras nesse tema.
Entendendo a experiência
Eu, quando jogo, sinto emoções das mais variadas. Eu posso vibrar com minhas conquistas, com o avanço no jogo, com a minha evolução nesse progresso, com o desenrolar da história… Tudo me leva a uma experiência única para cada jogo em que interajo e busco fechar. Há um certo heroísmo quando salvo a princesa do Castelo de Bowser, tensão e susto quando me deparo com um zumbi em Resident Evil. Uma certa doçura na presteza e companheirismo entre os personagens do Kirby 64. Lembro-me de cada jogo e desses sentimentos com carinho. Tanto que volto a jogá-los para senti-la, apesar de que não com o mesmo impacto da primeira vez, mas refaço. Creio que a experiência e as vivências mudam com o tempo.
Tenho a mesma sensação e experiência quando leio Sherlock Holmes e me sinto parte daquela investigação, ou ligo fatos e tento chegar próximo das conclusões desse grande detetive como se fosse o médico Watson observando tudo. Mesmo ele sendo um convencido, porém ótimo no que faz. Só para registrar (risos).
Também quando vejo filmes, sou um chorão para cenas emocionantes. Acredita que chorei com o final de Toy Story 3? Pode? Eu me empolgo quando vejo um herói conseguindo vencer aquele vilão como na trama psicológica de Jessica Jones e Killgrave. Sentia a cada cena a angústia de ter uma pessoa com aquele tipo de controle atormentando-a, uma certa empatia com a personagem.
Quando vou a um parque de diversões, gosto da sensação de altos e baixos da montanha russa, do medo de quase morte que isso me dá, do coração batendo forte e de toda a adrenalina que aquilo me proporciona. Muitas vezes até dando replay nisso e embarcando de novo naquela aventura. Até mesmo o passeio de trem do Beto Carreiro causa encanto ao ir pela primeira vez ao ver cada lugar. O salvamento dos bandidos nem tanto, mas para meu sobrinho mais novo foi fantástico e me agarrou com sua mão forte ao ver os encapuzados nos assaltando daquele momento.
Ao desenhar, fazer uma viagem para um lugar desconhecido ou ouvir aquela música bacana… Tudo isso são experiências. São elas que nos motivam a gostar daquele livro, jogo, música e são únicas para cada usuário. Ela não é tangível e só a sentimos. Tente lembrar de uma experiência, seja positiva ou negativa e explicá-la em palavras. Não é difícil de explicar? Pois saiba que esse é um exercício saudável que precisamos fazer, visto que quando vamos projetar jogos precisamos dessa clareza para criar a experiência que desejamos.
O jogo em si não é a experiência
Perceba que tudo que mencionei de exemplos são veículos para promover uma experiência e não ela em si. Nos jogos, ocorre o mesmo processo. Senão, os jogos ofereceriam a mesma experiência para todos os jogadores. Podemos tentar oferecer algo de uma experiência padrão ao nosso público-alvo, mas mesmo assim ainda acabará sendo única para cada um.
Sabe aquela história que você conta e cada um tira várias conclusões sobre ela? Não é rica essa troca de experiências? Agora pense em alguém que chega e diz: Moral da História…”. Pronto. Acabamos de cristalizar a experiência de todos.
Por mais que no projeto pensemos numa moral da história aos nossos jogos, saiba que dificilmente será única para todos devido a subjetividade. Mas isso significa que não devemos nos importar com ela?
Por que se preocupar com a experiência do jogo?
Lembro-me de quando fui jogar empolgado o tal Superman 64. Imaginava que com os gráficos 3D teria um mundo grande, livre para explorar voando, combatendo o crime e, em certos momentos, sendo o pacato Clark Kent e sua vida mediana.
Fui ao jogo. O mundo a ser explorado não era tão surpreendente assim, não tinha liberdade de ação, pois tinha que voar em argolas por um caminho pré-determinado e não percebia uma motivação para fazer aquilo perante ao grande desejo de ser e agir como um herói de verdade. Foi uma péssima experiência. Não é à toa que esse jogo é muito odiado até hoje pelos jogadores.
Você teve um Superman 64 na sua vida gamer? Seja analítico e perceberá que sua experiência foi afetada de forma negativa nesse caso. Como designers de jogos, precisamos analisar bem os nossos projetos para ver se a experiência a ser criada, realmente atenderá ao que se espera. Isso se pode planejar no início do projeto, mas é fundamental perceber melhor por meio de testes de usuários-alvo do seu jogo. Por isso acho importante acompanhar partidas dos jogadores com seus jogos, pois ali será a hora de sentir o que lhes agrada ou não e como foi a experiência. Afinal, muitas vezes eles não conseguirão exprimi-la em um formulário ou para você numa entrevista.
Isso é fundamental, é uma preocupação importante, afinal como disse o Jesse Schell em “A Arte de Game Design”: “Designers de jogos só se preocupam com o que parece existir. O jogador e o jogo são reais. A experiência é imaginária, mas designers de jogos são julgados pela qualidade dessa coisa imaginária porque ela é a razão pela qual as pessoas jogam.”
Como promover a experiência desejada no jogo?
Uma vez que você defina a experiência desejada com o jogo, todo o restante vai trabalhar em função dessa experiência. Eu quando jogo Overwatch, percebo que cada elemento do jogo está ali para me aproximar da experiência de ser um herói para as missões dadas. Sentir medo ao quase levar um tiro, ser um herói ao dar um abate quádruplo e salvar o nosso time de perder a carga a ser protegida, contribuir com ela curando um amigo, ficar entre os melhores do jogo, armar armadilhas para prender inimigos, zoar os inimigos ou simplesmente passar o tempo pichando e deixando minha marca pelo campo. Esse espírito de equipe e tudo que isso envolve é muito forte no jogo para mim. Tanto que não consigo mais jogar sozinho ou com pessoas estranhas. Prefiro com conhecidos. Isso já afeta a minha experiência.
Para melhor organizar o planejamento, Jesse Schell trata de três perguntas para pensarmos sobre a experiência:
- Qual a experiência desejo que o jogador tenha?
- O que é essencial para essa experiência?
- Como meu jogo pode captar essa essência?
Eu trabalhei em um jogo chamado Sperm Race que tratava sobre a corrida do espermatozoide ao óvulo. Como sei que o tema gera constrangimento e muitas vezes risadas, por se tratar de sexo, focamos numa arte cartunesca primeiramente. Depois, trabalhamos os personagens de forma caricata e alegre, dando um tom vivo para eles em relação e esse mundo do corpo humano. Fizemos o mesmo processo com os métodos contraceptivos. Na frase de divulgação e trailer, brincamos com frases como “A corrida mais importante da sua vida” e “Vença seus irmãos”.
Tudo isso conquistou muitos a jogar, divertiram-se com a experiência do jogo e riram muito da temática. Mas isso tornou mais leve o tema que é muito sério. Era essa a experiência que eu queria e, de certa forma, deu certo. Afinal, ganhamos até o Prêmio MobileFest de Aplicativos Móveis da Claro em primeiro lugar na Categoria Entretenimento. Essa experiência também foi fantástica, só para acrescer.
Uma vez que você possui clareza no público e na experiência a promover, todo o restante levará isso como base.
É fundamental nos preocuparmos com a experiência a ser promovida nos nossos jogos. Se retomarmos o termo “experiência lúdica significativa”, temos a experiência como resultado final ao jogador do processo de design de jogos. Ela se complementa com o lúdico como algo “que se faz por gosto, sem outro objetivo se não o do próprio prazer de fazê-lo”. E eu espero que isto tudo de forma significativa e positiva em relação ao jogador.
Qual experiência você quer para o seu jogo? 😉
Referências
Sallen, Katie; Zimmerman, Eric. Regras do Jogo: Fundamentos do Design de Jogos: principais conceitos: volume 1. São Paulo: Blucher, 2012.
Schell, Jesse. A Arte de Game Design: o livro original. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.
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