Artigo: Por que jogos educativos são chatos?

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A frase é impactante, mas certamente já se ouviu de muitos jogadores, quando se fala dos tais jogos educativos para jogar.

mario_typingEsse preconceito não existe por acaso. Muitos dos primeiros jogos voltados à educação foram assim. Era uma tentativa de tornar o que é divertido em uma nova forma de aprender. A própria Nintendo, inclusive, lançou diversos jogos nessa linha como Mario is Missing (para geografia), Mario Teaches Typing (sim, para datilografia) entre outros. A verdade é que eram chatos, comparados aos de “entretenimento puro” da mesma empresa.

Com a onda dos jogos e o crescimento da indústria, é natural que eles sejam usandos como recurso didático na sala de aula. Afinal, as brincadeiras e jogos analógicos já faziam parte desse universo há muito tempo. Se você buscar publicações de Piaget e Vygotsky, já verá menções do jogo e seu papel lúdico na formação da criança. Huizinga em “Homo Ludens” trata com profundidade esse papel do jogo na sociedade e como um todo também.

Mas afinal: por que jogos educativos são chatos? E será que ao menos educam?

Vamos discutir alguns desses aspectos aqui.

 

Jogos Didáticos e Entretenimento: como usá-los?

É fato e diversos autores como Raph Koster, James Paul Gee, Marc Prenski pensam da mesma forma: todos os jogos possuem potencial para ensino-aprendizagem. A questão é que alguns foram criados para isso (didáticos); outros somente para entreter, que sem querer, estão ensinando algo. Usei o termo “jogos educativos” no título desse artigo, pois ainda sei da forte associação dele com jogos didáticos, mas eles não educam somente.

A imagem ao lado já usei aqui em artigos sobre educação no Fábrica. São de autoria de Clua e Bittencourt em seu artigo. Realmente é bem clara a definição que eles trazem. Assim, podemos adotá-la para diferenciar jogos com finalidades para a educação e outros de entretenimento puro.

Em se tratando de usar jogos de entretenimento em sala de aula, isso faz sentido. Afinal, professores usam filmes, músicas e outras mídias que não foram criadas para esse propósito no contexto educacional. Claro que eles precisam ter um objetivo para isso, uma metodologia de como abordar, conhecer o que vão apresentar aos alunos e assim o recurso didático ter êxito no objetivo do professor. O mesmo princípio vale para se usar jogos, quer sejam didáticos ou para entretenimento.

Você pode ter o melhor jogo, mas, mau conduzido, vai virar um desastre. Pior, se mau usado pode criar uma fama de que jogos não são “coisa séria” para se usar na educação. “A aula virou uma festa”. Você verá um comentário como esse, quando não o bastante, associado a formar pessoas violentas, brincadeira sem propósito, perda de tempo e outros adjetivos.

Outra questão são jogos didáticos construídos. Se mau produzidos, eles podem não ensinar nada e/ou não divertir. Em geral, esse último é o que ocorre com mais frequência. O motivo é que às vezes o jogo didático até serve como reforço de conteúdo para uma aula já dada, mas não diverte. Está muito aquém dos jogos de entretenimento.

Por que isso ocorre é o que vamos tentar entender.

 

 

Por que jogos educativos são chatos? A resposta

O jogo antes de ser chato, passou por um processo de construção para depois alguém testar e chegar a esse resultado. De fato, torná-lo chato já começa no seu desenvolvimento devido a alguns fatores.

Um deles é a equipe não ser multidisciplinar, ou seja: falta uma aliança entre educadores e desenvolvedores de jogos. Enquanto um é especialista no conteúdo, didática e métodos educacionais, o outro entende do sistema jogo, diversão e elementos inerentes a esse tipo de aplicação. Quando só existem técnicos de jogos, o jogo fica muito bom, mas a educação fica de lado. Do contrário, temos jogos muito amadores.

Outra questão são os processos de desenvolvimento desses jogos didáticos. Analisei no meu artigo para o SBGames 2015 alguns métodos para esses jogos. Poucos mencionavam uma preocupação com diversão e com elementos inerentes a um jogo digital. Está explicado o caráter conteudista desses jogos e a diversão como algo secundário.

Leandro Costa, autor do livro “O que os jogos de entretenimento têm que os educativos não tem”, ressalta que muitos desses jogos para fins pedagógicos não são divertidos, mas também pouco educam. Ele acredita que os jogos precisam ter a mesma estrutura do objeto de aprendizagem em questão. Mas não só isso: há preocupação em tudo estar a favor da diversão, mas também poder jogar o jogo, mesmo não sabendo previamente o conteúdo. Afinal, você deveria aprender com ele.

O autor traz dois exemplos para análise. O primeiro é um jogo de quebra-cabeças para ensinar os estados do Brasil, localização deles e estados vizinhos. É perfeito, pois o mecanismo de jogo – encaixar cada estado em suas vizinhanças corretas – está próximo do objeto de aprendizagem (as regiões e as suas posições geográficas).

domino_idiomaO mesmo não ocorre com jogos de dominó para ensino de idiomas, o segundo exemplo que ele cita. Em uma ponta a imagem e na outra a palavra no idioma em questão. Não está próximo de como se aprende um idioma, o jogador precisa saber antes o assunto – ele não aprende com o jogo. É muito difícil esperar que uma criança entenda as novas regras além de ser muito mais divertido o dominó tradicional.

Costa trabalha sete princípios para orientar nesse sentido. De todos, quatro focam na diversão e apenas 3 no conteúdo (ou objeto educacional). Também ressalta que os jogos de entretenimento usados na educação acabam sendo mais eficientes que os jogos didáticos. Isso se deve pela falta daquela estrutura do objeto de aprendizagem que ele menciona, pois, o conteúdo ali só está como um enfeite, um acessório do jogo. Ao tirá-lo, não vai fazer muita falta. Recomendo conhecer todos aqui no artigo nosso, seção “Quero desenvolver jogos didáticos. Como faço?”.

Consegue perceber um problema na construção deles?

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(Scott Rogers – Level UP)

Por mais que existam diversas teorias sobre como tornar jogos divertidos, finalizo com a opinião de Scott Rogers do livro “Level UP”. Ele diz que é muito subjetivo esse conceito. A melhor forma é praticar a “Teoria da Não Diversão” que é:

 “comece com uma ideia ‘divertida’. Conforme você desenvolve o jogo, você encontra algo no jogo que não é divertido (ou é não diversão), então a tire. Quando você tirar tudo o que for não diversão, então tudo o que sobrar deverá ser divertido”.

 

 

Jogos educativos são realmente uma nova forma de se abordar assuntos maçantes, mas é necessário preparo do professor para entender o recurso didático.

Também são necessárias boas práticas na construção desses jogos. Considero a pesquisa de Leandro Costa pioneira e bem contestadora. Por isso, recomendo profundamente o livro dele e a leitura. Ele traz diretrizes para pensarmos melhor nessas práticas e produzirmos jogos divertidos mais eficientes na educação.

Veja também aqui livros que ajudam a não deixar os jogos educacionais chatos em nosso canal no Youtube. Abraços.

 

Referências

CLUA, E. W. G.; BITTENCOURT, J. R. Uma nova concepção para a Criação de Jogos Educativos. Simpósio Brasileiro de Informática na Educação – SBIE.

COSTA, Leandro Demenciano. O que os jogos de entretenimento têm que os educativos não têm – 7 princípios para projetar jogos educativos eficientes. Teresópolis: Editora Novas Ideias; Rio de Janeiro: Editora PUC-Rio, 2010.

GEE, James. Paul. What videogames have to teach us about learning and literacy. New York: Pallgrave/Macmillan, 2007.

HUIZINGA, Johan. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura. 8ª Edição. São Paulo: Editora Perspectiva, 2014.

KOSTER, Raph. Theory of Fun for Game Design – 10th Anniversary. Arizona: Paraglyph Express, 2013.

ROGERS, Scott. Level UP: um guia para o design de grandes jogos. São Paulo: Blucher, 2012.

Fabiano Naspolini de Oliveira

Meu nome é Fabiano Naspolini de Oliveira e atuo na área de jogos desde 2006, quando comecei estes estudos na faculdade. Sou de Araranguá – Santa Catarina. Sou formado em Tecnologia em Análise e Desenvolvimento de Sistemas, Especialista em Game Design e Docência para Educação Profissional, Mestre em Tecnologias da Informação e Comunicação e Pós-graduado em Gestão Estratégica de Marketing. Já tenho mais de 15 jogos no meu portfólio, tanto educativos, advergames quanto de entretenimento, feitos para jogadores e empresas. Toda essa experiência veio dos meus estudos, experimentos sozinho e, no passado, tive um estúdio de jogos chamado “Céu Games”. Atendi clientes com jogos customizados de acordo com a necessidade deles e ganhamos o Prêmio Mobile Fest de Aplicativos Móveis da Claro em Primeiro Lugar com o game Sperm Race. Também trabalhei como redator do site Nintendo Blast, cuja experiência me ajudou a analisar jogos dos mais diversos do mercado. Publiquei em 2021 meu primeiro jogo no Steam: o Born Race. Hoje sou game designer, professor, escritor de ficção e cuido do site Fábrica de Jogos, portal sobre desenvolvimento de jogos com canal no Youtube voltado a game designers. Meu foco está na educação dos desenvolvedores de jogos e, principalmente, game designers iniciantes.

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