Em diversos artigos e vídeos do Fábrica, já tratei dos sete princípios do Leandro Costa do livro “O que os jogos de entretenimento têm que os educativos não têm”. É um trabalho que tenho muita admiração, pois me trouxe outra perspectiva na área e me ajudou na pesquisa do mestrado. Todavia, em conversa com o autor, percebi que ainda seria necessário dar maior clareza a eles e divulgá-los para ampliar a aplicabilidade desses princípios e para que essas visões sejam explicadas corretamente.
Nesse sentido, vamos tratar cada um dos sete princípios neste artigo com exemplos para facilitar a compreensão. Espero que lhe ajude a ter uma nova visão sobre os jogos educativos e você repense seus projetos sob estas diferentes perspectivas de análise. Cada um dos princípios representam olhares diferentes ao mesmo foco, visando jogos educativos eficientes.
1. Um jogo com fim pedagógico deve possuir pelo menos uma estrutura similar ou comum à estrutura do objeto de conhecimento
Quando você projetar o seu jogo, nele tem que ter pelo menos uma estrutura que seja próxima ou igual a do conteúdo que esteja trabalhando. Por exemplo, eu vou fazer um jogo sobre coleta seletiva de lixo. Posso ter diversas mecânicas ali que nem estejam relacionadas ao tema, porém ao menos uma – ou mais – tem que ser uma estrutura similar ou comum. No caso, poderíamos ter uma parte em que o personagem seleciona o lixo de acordo com o tipo e o coloca na lixeira correta. Já temos uma estrutura próxima do objeto de conhecimento.
2. Essa estrutura do jogo deve ser perceptível ao jogador enquanto joga
Nesse sentido, o jogador precisa poder perceber a estrutura em questão. Se o jogo é sobre divisão, ao jogá-lo ele se depara com uma ou mais divisões e pode perceber o mecanismo (a estrutura) subjacente que rege esse fenômeno – algo sendo repartido em n partes iguais e, em algum nível, as relações entre o tamanho de cada parte, o valor de n e o tamanho original do algo que foi repartido. Só assim o jogo promoverá aprendizagens reais sobre a divisão, e não meras associações cegas. Caso o jogo seja sobre a função de um inspetor laboratorial, ele percebe que no jogo alguém no papel de um inspetor laboratorial (que pode ser o próprio personagem do jogador) está fazendo checklists verificando as conformidades ou não dentro do laboratório.
3. A aprendizagem dessa estrutura deve ser indispensável para que se atinja o(s) objetivo(s) no jogo
O jogador não pode conseguir vencer o jogo sem compreender essa estrutura que desejamos que ele aprenda. Ou seja, tal aprendizagem deve ser um recurso, uma habilidade, ou um meio sem o qual o jogador não será capaz de chegar até a vitória. Por exemplo, desejo ensinar alguém como se faz um bolo de festa. O jogador está imerso em uma confeitaria que tem várias produções como rosquinhas, brigadeiro e outras guloseimas. Um simulador de fazer doces. Nesse caso, existem outras mecânicas para ele aprender a fazer, mas a ênfase deve ser como fazer o bolo de festa. Ela deve ser decisiva para que o jogador consiga atingir os objetivos do jogo. Os outros podem ser secundários nessa contribuição. Afinal, fazer o bolo é o meu objeto de conhecimento. Se ele não conseguir aprender como produzi-lo, o jogo não terá sido efetivo enquanto jogo educativo.
4. Em um jogo com fim pedagógico, tudo deve estar a favor da diversão e do entretenimento
É importante que tudo no jogo esteja a favor da diversão, inclusive seus elementos educativos. Muitos jogos educacionais infringem este princípio por se preocuparem demais com as questões educacionais e do conteúdo a ser trabalhado em detrimento da diversão. É necessário pensar se aquele elemento educacional vai contribuir com a diversão de fato. Claro que cabe ao game designer decidir sacrificar a diversão para uma aprendizagem mais precisa em casos específicos, como no caso de jogos de simulação (na imagem CardioSIM), por exemplo. Mas se deve ter consciência de tal ação e do impacto a ser gerado nos jogadores, se será o melhor.
5. O objeto de conhecimento deve estar relacionado ao jogo a que pertence por relações estruturais essenciais em prol da diversão e do entretenimento dos jogadores
O objeto de conhecimento necessita estar relacionado por meio de relações estruturais essenciais. O objeto de conhecimento do jogador já aplicado ao jogo deve estar arraigado, integrado à estrutura essencial do jogo, influenciando inclusive sua dinâmica. Por exemplo,tenho um jogo que realiza a divisão de frutas em pedaços pela metade, um quarto, um oitavo e assim por diante. O conteúdo educativo (a divisão), neste caso, está estruturada na própria mecânica do jogo, este é o correto. O que não pode acontecer é a divisão ser um conteúdo extra à mecânica do jogo, pois ficaria uma colagem de conteúdo sem contexto como ocorre em jogos de quiz. Neles, mesclam-se com mecânicas de jogos que não tem relação alguma com o conteúdo das perguntas. Isso torna estranha a relação estrutural do jogo com o conteúdo.
6. No que depender do seu objeto de conhecimento, um jogo com fim pedagógico deve ser uma forma essencial de jogo
Esse princípio diz que um jogo educativo deve depender do seu objeto de conhecimento para ter a sua essência. Quando o tiramos do jogo, ele se desestrutura, perde sua singularidade, sua personalidade em relação a outros jogos. Um exemplo é você adaptar um conteúdo pedagógico para um jogo de tabuleiro. Caso eu o retire, o jogo perde a sua essência, perde a graça. Ele não é mais aquele jogo único criado. Um exemplo ao contrário são jogos como dominó do idioma ligando a palavra à tradução dela. Se eu tirar o conteúdo idioma, substituindo-o por outro, o jogo continua sendo essencialmente um dominó, só que utilizando outro conteúdo para fazer a relação entre as peças.
7. Um jogo como fim pedagógico deve ser, pelo menos para o seu público-alvo, melhor como jogo do que qualquer uma de suas partes ou a simples soma delas.
Vamos separar o jogo original puro do novo jogo criado com o conteúdo pedagógico. Estas são as partes. Um jogo com finalidade educativa tem que ser melhor como jogo do que qualquer uma dessas partes ou somente a simples união delas. Ou seja, o jogo tem que ser melhor que os existentes (ou similares) e o jogador tem que sentir atraído por jogá-lo completo, não apenas uma parte ou algum elemento apenas. Peguemos como exemplo um jogo de quebra-cabeças com os estados brasileiros. Temos o jogo quebra-cabeças puro e o conteúdo pedagógico, no caso, os estados brasileiros. Esse novo quebra-cabeça educativo tem que ser melhor como jogo do que qualquer uma dessas partes, sendo tão divertido quanto um jogo de quebra-cabeça comum. Dessa forma,o jogo é mais eficiente do que suas partes como elas eram antes de sua existência.
Considerações Finais
Para terminar, o autor ainda reforça que “convém deixar claro que não se está afirmando que todos os princípios formulados neste estudo devem ser obedecidos em quaisquer projetos de jogos com fins pedagógicos, e sim que devam ser pensados”. Pondera também que cabe ao game designer fazer a consideração necessária no uso de um ou mais desses princípios, desde que os conheça e saiba os motivos de não utilizá-los. Isto visando a melhor experiência ao jogador. Finalmente, ele apresenta um método que facilita projetar jogos educativos que contemplem todos os 7 princípios.
Convido a todos para conhecer o livro que é rico em exemplos, explicações e embasamento teórico feito para se chegar neles. Afinal, ele é fruto do mestrado do Leandro.
Este ano, o livro foi relançado em versão digital e com figuras coloridas. Ele está disponível na Google Play Store (https://goo.gl/qBBLm2) para quem possui dispositivos Android, na App Store para dispositivos iOS (https://goo.gl/T6NRJK) e na Amazon(https://goo.gl/mVEmsj) para quem usa o Kindle, e o preço está 40% menor que odo livro impresso (que também pode ser encontrado).
Referências
Costa, Leandro Demenciano. O que os jogos de entretenimento têm que os educativos não têm: 7 princípios para projetar jogos educativos eficientes. Teresópolis: Editora Novas Ideias; Rio de Janeiro: Editora PUC – Rio, 2010.
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