Roteiro de Games acaba sendo a terminologia muito utilizada ainda. Alguns chamam de narrativas para games também. Ambos os termos para mim são adequados, só que o primeiro é mais específico e direciona mais ao audiovisual. Já o último é mais abrangente, narrativas, pegando vários formatos até mesmo a literatura.
O fato é que vejo muitas pessoas que migram dessas áreas tradicionais da narrativa aos games como cinema, literatura, história em quadrinhos e outras. O problema é que eles trazem uma bagagem pouco ou quase nada interativa e os jogos ocorrem dessa maneira.
Logo, trago este artigo para trazer algumas provocações – como o título dele – de forma que façamos uma reflexão de como desenvolver roteiro de games.
Interação é a palavra-chave do Roteiro de Games
Isso todo mundo fala e está bem batido. A questão é que o roteirista tem que pensar assim: vou ficar criando eventos pré-programados o tempo todo ao jogador ou vou deixá-lo livre para escolher o caminho que desejar? Essa liberdade é a chave para um roteiro de games.
Alguns roteiristas vão deixar totalmente linear com gatilhos que, independe o que você faça, vai acionar aqueles eventos da narrativa programados. Chamamos de narrativa forçada.
Outros dão certa flexibilidade de escolha ao jogador, mas ainda assim o prendem a gatilhos de eventos para acionar certas partes da história. Com isso, forçam-se caminhos, mas pode se apresentar narrativas embutidas – fora da principal, mas que podem ser executadas pelo jogador – ou emergentes – emergem da interação do jogador.
Por último, alguns jogos permitem o jogador fazer o seu caminho livremente, adotando um controle indireto mais flexível. Jogos sandbox tem essa perspectiva, deixando o jogador livre para explorar seu ambiente. São as predominantemente narrativas emergentes que estamos falando aqui.
O fato é que, ao projetar roteiro de games, você tem que pensar que muito da narrativa o jogador vai construir por ele mesmo. Só o fato de você caminhar em um plataforma side-scrolling para onde quiser, mesmo que tenha um final para você chegar, já está dando esse poder ao jogador de construir sua narrativa ali. Nem tudo será programado. Você pode induzi-lo a algum caminho desejado, dando a sensação de controle da situação – o que se chamamos de controle indireto – mas ainda o poder de construção da narrativa é do jogador.
Um jogo que investe demais em cinemáticas, eventos pré-programados engessados e baixa influência do jogador na narrativa, está fadado a ser um filme interativo bem disfarçado. Entendo que às vezes muitos jogos seguem essa linha por questões de orçamento. Afinal, roteiro de games não lineares e que consideram decisões do jogador dão trabalho e são complexos. Mas vale a pena deixar mais nas mãos do jogador essa construção narrativa. Jogos como Journey e Limbo deixam isso por conta dele e são bem sucedidos em sua proposta.
Interação não é Exclusiva do Roteiro de Games
De fato, se você já viu aqueles programas que você escolhe o final – estilo “Você Decide” – por mais rudimentar que seja, é interativo. O teatro tem peças que interagem com o público. Já vi iniciativas no cinema de votar para continuar qual filme e agora no Youtube tem vídeos assim e até no Netflix.
Então quando se fala que interação é o principal dos games se diz o seguinte: “É o foco principal, pois o jogador é o construtor da narrativa, um agente ativo. Mas isso não significa que só a ele detêm o monopólio da interação”. Isso não é verdade.
Roteiro de Games dá ênfase à interação, mas não é uma exclusividade dele.
Existe algo em comum dos Games com os Filmes na Produção?
Certamente muito das boas práticas do cinema vieram aos jogos. Nem me refiro somente as cinemáticas que sim, funcionam como a produção de uma animação ou filme. Mas as próprias técnicas narrativas de engajamento, manter tensão, interesse, conflitos, ritmo entre tantas outras que também no roteiro de games nos utilizamos.
Quando até se trata de engajamento, o Skolnick traz um gráfico muito interessante. Vou deixar o link aqui para você onde explico melhor. Ele relaciona os gráficos de tensão gerados pela narrativa dos filmes com o mesmo processo nos games. Só que, enquanto nos filmes são demarcados por pontos de virada, sejam grandes ou pequenos, no roteiro de games é demarcado por fases ou níveis ou missões etc. Aí vai depender de como é estruturado o seu jogo e a progressão dele.
Isso quer dizer o seguinte: o desafio proporcionado ao jogador e a habilidade desenvolvida por ele durante o game estão relacionadas aos desafios do herói na narrativa. Afinal, quem controla o herói? O jogador. O personagem jogável é a personificação do jogador no game. Nada mais natural que ele até se confunda como agente da história.
Aqui não estou dizendo que o jogador é doido ou que ele perde sua identidade. Ele sabe quem ele é ainda, ok? Mas ele se envolve tanto com o jogo, ao controlar o seu personagem jogável, que ele até se refere a ele mesmo como aquele personagem. Quantas vezes já ouvimos frases de jogadores como “Eu morri” ou “Aquele ***** me matou” ou “Agora vou dar uma surra nesse chefão”. Entende? Essa relação acaba sendo bem próxima.
A narrativa tradicional e o cinema tem muito a nos ensinar sim. Desde a produção visual até a construção de narrativa fazendo elo com a emergência do roteiro de games.
O que se deve pensar ao fazer Roteiro de Games?
Sempre pensar que o jogador é o agente transformador e condutor da narrativa de um jogo. É muito mais emergência que cenas pré-programadas. Você pode criar situações que o faça escolher, optar por caminhos e ir dando essa autonomia controlada para ele. Mas ele não sabe que é controlada, dando a sensação de liberdade apenas.
Pode-se criar inclusive relações diferentes entre os personagens que evoluem de acordo com as interações do jogador. Em vez de ter um NPC (non-player character) que sempre fala a mesma coisa, ele pode ter atributos de humor e confiança que vão mudando conforme as relações com o personagem jogável.
Vamos a um exemplo. Imagine que você chega a uma nova cidade no jogo e conhece um aldeão mal humorado e que não confia em ti. Ele o manda embora, não gosta da sua cara e que já basta ter perdido sua filha para o feiticeiro malvado para ter que te aguentar. Provavelmente, de 1 a 10, esse aldeão tem confiança 3 e humor 3 em relação a ti. Bem baixos os valores.
Só que você aceita a missão de achar a filha dele e a traz para ele. Ao chegar ao aldeão com a filha, ele percebe e agradece imensamente. Seu humor e confiança passam, respectivamente para 8 e 9, por exemplo. Com isso, ao falar com ele agora, o aldeão se porta mais amistoso, fala de forma mais agradável e muito grato ao personagem jogável. Ou seja, com duas variáveis que mudam conforme eventos de jogo, você pode até mesmo personalizar falas de um personagem não jogável (NPC). Isso traz realismo a sua narrativa e dá mais poder ainda de transformação daquela história ao jogador. Ele sente que impactou em mudanças na narrativa.
Outro exemplo é você decidir chutar o balde dos soldados do rei. Isso depois ativará um evento futuro que o rei não te deixará entrar tão fácil em seu reino pela afronta feita. Se tivesse sido cordial, entraria de boa no reino sem problemas pela porta da frente. Mais uma vez o jogador assume o controle, mesmo que não tão livre assim, da narrativa.
Como aprender Roteiro de Games?
Percebe que você dá ao menos uma chance do jogador de interagir e influenciar a narrativa? É fácil de fazer isso? Não, dá um trabalho e tanto como falei. Mas estou aqui para provocar, pois este é um passo que os jogos vêm tomando e que vão fazer a diferença para tornar esta arte uma das principais também junto a cinema e tantas outras.
Essas provocações e ensinamentos eu trago a quem deseja produzir histórias engajantes, interativas e divertidas para games. Tudo isso no meu curso Game Script Journey.
Lá você aprende o poder das narrativas para games, fazendo o seu roteiro de games. Venha aprender mais nesse lado da força.
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