Artigo: Controle de Qualidade em Games

Neste artigo trataremos de um assunto que levanta muitas dúvidas e mal entendidos na indústria de jogos: testes. Isto é, o controle de qualidade em games.

Para começar deixem eu contar sobre como faço os testes. Aqui na organização onde trabalho (DOT digital group) estamos desenvolvendo um jogo de futebol de botão que vai rodar em um monitor gigante. O projeto começou recentemente e está em fases de testes.

A foto a seguir (tirada do meu celular, desculpem!) mostra um teste de jogabilidade (se a mecânica está divertida ou não) em andamento:

Sem título

Tela legal pra jogar
futebol de botão, hein?

 

Como testamos? Experimentando, claro. Várias e várias vezes, variando condições. Por vezes aparecem falhas de jogabilidade (“As peças deviam se mover mais”, “A Física não está realista!”). Por vezes são falhas de usabilidade (“O placar não deveria ser maior?”, “Não vi que era minha vez. Estava sinalizado?”). Isso sem falar dos bugs que todo código tem, de imprevisíveis problemas de performance, da necessidade de criteriosa da revisão ortográfica (Ainda bem que é pouco texto).

Deu pra perceber que testar um jogo é bem diferente de jogá-lo? É mais como estressá-lo ao limite enquanto você busca diligentemente por problemas (e não se divertir) e foca na empatia com esta pergunta: “O jogador vai entender e gostar disso?”.

E essa é mais ou menos a rotina do Controle de Qualidade em games. E vejam bem : esse futebol de botão é um jogo relativamente simples e portanto seus testes não são dos mais dispendiosos. Mas se você quer jogos de qualidade esse processo precisa ser uma rotina contínua.


Qualidade em Games

A qualidade em produtos pode ser entendida como um conjunto mínimo necessário de requisitos para melhor funcionamento dos mesmos. Portanto qualidade pode significar tanto um padrão  exigido para satisfação do consumidor quanto a garantia de uma taxa tolerável (mínima) de falhas do produto.

Um game de qualidade, portanto, seria aquele que além de funcionar sem falhas (bugs, problemas graves de jogabilidade, usabilidade, dentre outros) também alcança os objetivos traçados pelo designer: divertir o público-alvo.

Se há algumas décadas games de baixa qualidade eram tolerados porque afinal havia poucos consoles e muito buzz comercial injustificado, a realidade do mercado hoje não perdoa mais games com falhas ou que simplesmente não cumprem seu propósito elementar de divertir. “O game tem má qualidade? Dane-se. Vou baixar outro agora mesmo!”

O Controle de Qualidade em games é, portanto, uma parte central da empresa desenvolvedora de games. Sem Controle de Qualidade não há como garantir produtos de sucesso.

Dizem que game é software e todo software envolve testes. É bem mais complicado que isso: game é software com várias outras coisas juntas (visual, diversão, som, aspectos culturais, dentre outros). Por isso mesmo que testes são necessários em games. Arrisco dizer que mais necessários ainda do que em um software “simples”. Softwares com falhas pontuais ainda são tolerados (É só pensar na quantidade de bugs num editor de textos famoso aí). Mas jogos com bugs e outros tipos de falha são logo descartados pelo player.

 

Testador de Jogos: “patinho feio” ou emprego dos sonhos?

Apesar da importância do Controle de Qualidade essa função costuma ser um departamento problemático nas empresas de games. Em parte pela falta de glamour da atividade em si (Quase ninguém sonha ser apenas testador como tantos sonham ser Game Designer, Programador ou Ilustrador). Sendo assim, cabe explicar melhor como se faz Controle de Qualidade afim de um maior sucesso dessa importante área nas empresas desenvolvedoras.

Tenho base para dizer que a profissão menos desejada na industria de games é a de testador.  Tanto é assim que recentemente passei um questionário online anônimo em centenas de alunos de um curso de games daqui de Floripa (para uma pesquisa que estou desenvolvendo sobre o trabalho na indústria de games) e o cargo de “Testador” ficou em último lugar na lista de interesses! Talvez porque ela tenha quase nenhum glamour comparado à aparente magia do criador, isto é, o Game Designer.

Outro ponto é que o trabalho do testador é todo protocolado, sem grandes margens para autonomia. Testar jogos envolve uma grande carga analítica e atenção a detalhes e paciência para repetir procedimentos diversas vezes. Ora, convenhamos, a maioria dos jovens só quer criar, criar, criar, se divertir, se divertir, se divertir. Será que por isso soa chato ser “testador”. Ou será que não?

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Mas há quem ache uma profissão fascinante, sim. Particularmente, não acho. Pra mim é bem chato testar porque conheço as demandas. Mas é importantíssimo! E sabem como é: coisas importantes que pouca gente quer fazer (e faz bem) são uma ótima oportunidade de emprego. Não a toa, muitas pessoas que conheço entraram na indústria de games pela porta do Controle de Qualidade para ascender bem depressinha para game design, desenvolvimento, design visual, gerência, etc.

Advirto, contudo, para os que enxergam no cargo de testador de games uma maneira de “passar o dia jogando videogame e ainda ganhar por isso”: não é nada disso.Você experimentará produtos inacabados e cheios de problemas. Na verdade, vai ativamente procurar por problemas. Fará isso de novo, de novo e de novo. E mesmo quando os jogos enfim ficam bons, podem ser jogos que você mesmo jamais gostaria (Eu mesmo já fiz Controle de Qualidade para um game que era sobre maquiar bonecas).

Competências para testadores de jogos

Antes de mais nada, quem deve testar o jogo? Pela minha experiência é bom que quem teste não seja a mesma pessoa que desenvolve, para evitar vieses de decisão. Também é bom que o testador tenha uma perspectiva diferente. Por exemplo, sabiam que muitos testadores da Microsoft são formados em Letras? Devido a essa formação, eles acham falhas que passam desapercebidas por gente que pensa como desenvolvedor de software.

Já sugeri esparsamente o que é necessário para um bom testador fazer melhor seu trabalho. Mas a seguir sintetizo tudo isso no que acredito que sejam as habilidades, conhecimentos e atitudes apropriadas para o repertório de competências dos testadores de jogos:

Partes da competência Itens
Atitudes
  1. Cara e coragem – vai lá e testa, testa, testa;
  2. Paciência e disposição para trabalho repetitivo;
  3. Atenção concentrada para analisar ínfimos detalhes.
Conhecimentos 1. Noção do que é diversão em games (Veja meu artigo sobre isso);

2. Muita experiência jogando todo tipo de games (bons, ruins, de vários gêneros);

3. O mínimo de programação (noções de algoritmo e da linguagem usada no jogo);

4.Algo de Design Visual (especialmente em interfaces e uso de cores);

5.E, sim, uma boa dose de Redação Técnica (revisão ortográfica conta!).

Habilidades
  1. Observar outros, in loco ou não;
  2. Entrevistar usuários;
  3. Realizar dinâmicas de grupo e atividades como “Focus group” para inquirir usuários e outros testadores sobre resultados (Ok, essa é uma habilidade difícil).

 

O quadro a seguir é apenas uma sugestão inicial. Não prevê especializações e aprofundamentos.

 

O que avaliar?

A seguir uma lista simplificada do que um testador deve ter em mente na hora de avaliar jogos:

 

Critério Descrição
Jogabilidade O quão é divertido (Dentro da proposta de diversão desenhada para o público-alvo).
Usabilidade O quão é tranquilo de ser usado (interface audiovisual, e em breve bem mais que isso);
Bug Hunting Achar falhas no código
Localização Textos, traduções
Compatibilidade Diferentes plataformas, hardware
Performance Velocidade e eficiência do software

 

O quadro a seguir não deve contemplar todo o escopo de Controle de Qualidade. Por exemplo, se você estiver produzindo para o mercado chinês tem uma série de peculiaridades culturais a levar em conta para evitar gafes (sabiam que roxo é associado ao luto naquele país e deve ser evitado em personagens?). Como classificar esse tipo de teste de adequação cultural?

OBS: Clique aqui para saber um pouco mais sobre Testes de Localização em jogos.

 

Processo de Controle de Qualidade em Games

O processo de avaliar um game tem momento certo. Afinal testar tem custos e nem sempre é possível ou propício. Quando for estabelecido que o timing é oportuno, teste. Isto é, se der tempo para corrigir as falhas encontradas, se ainda for um momento inicial do projeto em que achar problemas seja algo bem vindo e por aí vai. Pergunte-se: há tempo, dinheiro e disposição da equipe para testes?

Quanto a fases, elas dependem da maturidade do projeto. Divido didaticamente em 5:

 

Quando e o que fazer
Testes de conceito Quando a ideia inicial do jogo ainda está em formação. É hora de rascunhar, fazer storyboard, prototipar e testar com clientes internos e externos.
Testes alfa Já existe uma versão minimamente funcional do jogo. O suficiente para pegar o essencial da jogabilidade e da interface. Bugs são incontáveis, mas comece a testar.
Avaliação contínua Entre o alfa e o beta. Sempre procurar por bugs, por exemplo.
Testes beta Falta pouco para lançar o jogo. Pode ser um boa convocar beta-testers externos da comunidade de interesse que ajudem sua empresa.
Empacotamento Hora de lançar. Os últimos requisitos precisam ser checados. Em geral dizem respeito a critérios comerciais. Por exemplo, sabiam que todo jogo precisa ser classificado em termos de faixa etária indicada e estar de acordo com esse parâmetro para vender no exterior?
Pós-lançamento Sempre é possível achar falhas depois que o produto já foi empacotado e enviado. Infelizmente ou felizmente, porque elas podem ser o embrião de patches, mods especiais e continuações inéditas!

Certamente há outros momentos do projeto não contemplados no quadro acima. Isso varia muito de acordo com o tipo de jogo sendo realizado.


Para fechar, exercícios

  1. Crie uma planilha (tipo Excel) para servir de checklist para Controle de Qualidade em games;
  2. Desenhe um processo de testes para o último game que você jogou (como se você fosse da equipe desenvolvedora… Se não é mesmo…);
  3. Descreva num papel seus pontos fortes e fracos como testador de games, levando em consideração as competências que citei anteriormente.

Alessandro Vieira dos Reis

Alessandro Vieira dos Reis (Redator) – É bacharel em Psicologia e mestre em Design de Interação. Atua como analista de gamification e game designer no DOT digital group em Florianópolis.

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